Cartola
Angenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola, (Rio de
Janeiro, 11 de outubro de 1908 — Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1980) foi um
cantor, compositor e violonista brasileiro.
Considerado por diversos músicos e críticos como o maior
sambista da história da música brasileira, Cartola nasceu no bairro do Catete,
mas passou a infância no bairro de Laranjeiras. Tomou gosto pela música e pelo
samba ainda moleque e aprendeu com o pai a tocar cavaquinho e violão.
Dificuldades financeiras obrigaram a família numerosa a se mudar para o morro
da Mangueira, onde então começava a despontar uma incipiente favela.
Na Mangueira, logo conheceu e fez amizade com Carlos Cachaça
- seis anos mais velho - e outros bambas, e se iniciaria no mundo da boemia, da
malandragem e do samba.
Com 15 anos, após a morte de sua mãe, abandonou os estudos -
tendo terminado apenas o primário.[1] Arranjou emprego de servente de obra, e
passou a usar um chapéu-coco para se proteger do cimento que caía de cima. Por
usar esse chapéu, ganhou dos colegas de trabalho o apelido
"Cartola".[2]
Junto com um grupo amigos sambistas do morro, Cartola criou
o Bloco dos Arengueiros, cujo núcleo em 1928 fundou a Estação Primeira de
Mangueira. Ele compôs também o primeiro samba para a escola de samba,
"Chega de Demanda". Os sambas de Cartola se popularizaram na década
de 1930, em vozes ilustres como Araci de Almeida, Carmen Miranda, Francisco
Alves, Mário Reis e Silvio Caldas.
Mas no início da década seguinte, Cartola desapareceu do
cenário musical carioca e chegou a ser dado como morto. Pouco se sabe sobre
aquele período, além do sambista ter brigado com amigos da Mangueira[2],
contraído uma grave doença - especula-se que seja meningite[1] - ter ficado
abatido com a morte de Deolinda, a mulher com quem vivia.
Cartola só foi reencontrado em 1956 pelo jornalista Sérgio
Porto (mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta), trabalhando como lavador de
carros em Ipanema. Graças a Porto, Cartola voltou a cantar, levando-o a
programas de rádio e fazendo-o compor novos sambas para serem gravados. A
partir daí, o compositor é redescoberto por uma nova safra de intérpretes.
Em 1964, o sambista e sua nova esposa, Dona Zica, abriram um
restaurante na rua da Carioca, o Zicartola, que promovia encontros de samba e
boa comida, reunindo a juventude da zona sul carioca e os sambistas do morro. O
Zicartola fechou as portas algum tempo depois, e o compositor continuou com seu
emprego público e compondo seus sambas.[2]
Em 1974, aos 66 anos, Cartola gravou o primeiro de seus
quatro discos-solo, e sua carreira tomou impulso de novo com clássicos
instantâneos como "As Rosas Não Falam", "O Mundo é um
Moinho", "Acontece", "O Sol Nascerá" (com Elton Medeiros),
"Quem Me Vê Sorrindo" (com Carlos Cachaça), "Cordas de
Aço", "Alvorada" e "Alegria". No final da década de
1970, mudou-se da Mangueira para uma casa em Jacarepaguá, onde morou até a
morte, em 1980.
Do Catete para a Mangueira
Cartola aos 4 anos, com Biela, no Catete
Angenor de Oliveira nasceu em 1908 na cidade do Rio de
Janeiro. Era o primogênito dos oito filhos do casal Sebastião Joaquim de
Oliveira e Aída Gomes de Oliveira. Apesar de ter recebido o nome de Agenor, foi
registrado como Angenor - fato que só viria a descobrir muitos anos mais tarde,
ao tratar dos papéis para seu casamento com Dona Zica na década de 1960. Para
não ter que providenciar a mudança do nome em cartório, a partir de então
passou a assinar oficialmente seu nome como Angenor de Oliveira.[3]
Sua família materna era de Campos dos Goytacazes (RJ) e seus
antepassados foram escravos do primeiro Barão de Carapebus, propietário do
Solar do Beco,onde nasceu seu avô materno Luís Cipriano Gomes, famoso
cozinheiro, que trabalhava em Macaé (RJ), na Fazenda da Bertioga, propriedade
da aristrocrata D. Julia Nogueira da Gama e Gavinho, até ser aliciado por D.
Anita Peçanha, prima de D. Julia e esposa do futuro Presidente do Brasil, Nilo
Peçanha, que o levou para o Rio de Janeiro, chegando a servi-la no Palácio do
Catete.
Nascido no bairro carioca do Catete, onde também passou
parte de sua infância. Quando tinha oito anos, sua família se mudou para as
Laranjeiras, onde ele se tornou torcedor do time do bairro, o Fluminense.[4] Lá
nas Laranjeiras, entrou em contato com os ranchos carnavalescos União da
Aliança e Arrepiados - neste último tocava cavaquinho (instrumento musical que
lhe tinha sido dado pelo pai quando tinha somente 8 ou 9 anos de idade) e nos
desfiles do Dia de Reis, em que suas irmãs saíam em grupos de
"pastorinhas".[5] Era tão entusiasmado pelo Arrepiados que ao
participar, mais tarde, da fundação da escola de samba Estação Primeira de
Mangueira, sugeriu que as cores daquele rancho - o verde e o rosa - fossem as
mesmas da nascente agremiação, que seria um símbolo dos mais reverenciados no
mundo do samba. Na verdade, Carlos Cachaça disse que tinha existido no Morro da
Mangueira um antigo rancho chamado Caçadores da Floresta, cujas cores eram
exatamente o verde e o rosa.[3]
Em 1920, na Mangueira
Em 1919, movidos por dificuldades financeiras, os Oliveira
foram para o morro da Mangueira, então uma pequena e nascente favela com menos
de cinquenta barracos.[4] Logo, conheceria e se tornaria amigo de outro morador
da Mangueira, Carlos Cachaça, seis anos mais velho que Cartola, e que se
tornaria, além de amigo por toda a vida, o seu parceiro mais constante em
dezenas de sambas.[3]
Quando tinha 15 anos, abandonou os estudos (tinha concluído
apenas o quarto ano primário) para trabalhar, ao mesmo tempo em que se
inclinava para a vida boêmia. Na adolescência, trabalhou como aprendiz de
tipógrafo, mas logo se transformou em pedreiro. Foi enquanto trabalhava nas
obras de construção, que ele ganharia o apelido com que se tornaria reconhecido
como um dos grandes nomes da música popular brasileira.[5] Para que o cimento
não lhe caísse sobre os cabelos, resolveu passar a usar um chapéu-coco, que os
colegas diziam parecer mais uma cartolinha, e assim, começou a ser chamado de
"Cartola".[3][4]
Tinha 17 anos quando sua mãe morreu. Pouco depois, após
conflitos crescentes com o pai, inimigo da malandragem, acabou expulso de casa.
Levou então por algum tempo uma vida de vadio, bebendo e namorando,
frequentando zonas de prostituição e contraindo doenças venéreas, perambulando
pelas noites e dormindo em trens de subúrbio. Esses hábitos o levaram a se
enfraquecer fisicamente, adoecido e mal-alimentado, na cama de um pequeno
barraco.[4] Uma vizinha do seu barraco chamada Deolinda – uma mulher gorda,
forte e boa, sete anos mais velha, casada e com uma filha de dois anos – passou
a cuidar e a gostar dele. Os dois acabam se envolvendo. Tinha na época apenas 18
anos e estava morando sozinho. Decidem viver juntos e Deolinda deixa o marido,
levando a filha que o compositor irá criar como sua.[3]
O surgimento do sambista
O barraco dividido por Cartola e Deolinda era habitado por
mais gente, todos sustentados pela dona de casa, que lavava e cozinhava para
fora. Sob seu teto e de Deolinda, Noel Rosa foi se abrigar algumas vezes, à
procura de um refúgio tranqüilo.[6] Cartola exercia a atividade de pedreiro
apenas esporadicamente, preferindo assumir o ofício de compositor e violonista
nos bares e tendas locais. À época, já se firmava como um dos maiores criadores
do morro, ao lado do grande amigo Carlos Cachaça e Gradim.[4]
Com estes e outros compositores, Cartola integrava uma turma
de brigões e arruaceiros que, não por acaso, formaram o Bloco dos Arengueiros,
em 1925, para brincar o carnaval. Esse bloco seria o embrião da Estação
Primeira de Mangueira.[4] A ampliação e fusão do bloco com outros existentes no
morro, gerou, em 28 de abril de 1928, a segunda escola de samba carioca e uma
das mais tradicionais da história do carnaval da cidade.[7] Cartola, um dos
seus sete fundadores (também assumiu a função de diretor de harmonia da escola,
em que permaneceu até fins da década de 1930); Estação Primeira, porque, contando
a partir da Central do Brasil, o morro de Mangueira ficava a primeira estação
de trem de um lugar em que havia samba.[4] Cartola compôs "Chega de
Demanda", o primeiro samba escolhido para o desfile e que só seria gravado
pelo compositor em 1974, para o disco "História das Escolas de Samba:
Mangueira".[5]
No início da década de 1930, Cartola se tornou conhecido
fora da Mangueira, quando foi procurado por Mário Reis, através de um estafeta
chamado Clóvis Miguelão que subira o morro para comprar uma música.[7] O
sambista vendeu os direitos de gravação do samba "Que Infeliz Sorte",
que acabou sendo lançado por Francisco Alves, pois não se adaptava à voz de
Mário Reis. Assinava então Agenor de Oliveira. Vendeu outros sambas a Francisco
Alves, maior ídolo da música brasileira na época, cedendo apenas os direitos
sobre a vendagem de discos. Neste comércio – que serviu para projetá-lo entre
os sambistas na cidade –, Cartola conservava a autoria e não dava parceria a
ninguém.[4]
“ O rapaz
foi lá e disse: "Cartola, vem cá. O Mário Reis tá aí, queria comprar um
samba teu". "O quê? Comprar samba? Você tá maluco, rapaz? (...) Eu
não vou vender coisa nenhuma." (...) Ele disse: "Quanto é que você
quer pelo samba?". Eu virei pro cara, no cantinho, disse assim: "Vou
pedir 50 mil réis". "O quê, rapaz? Pede 500." (...) Com muito
medo, pedi 500 contos. "Não, dou 300. Tá bom?" Eu disse assim:
"Bom, me dá esses 300 mesmo". Mas com muito medo (...) Mas botou meu
nome direitinho, legal (...). Ele comprou, mas não deu para a voz dele. Então
gravou Chico, Francisco Alves. ”
— Cartola, sobre o samba "Que Infeliz Sorte",
Almanaque da Folha
Em 1932, Francisco Alves e Mário Reis gravaram outro samba
seu, "Perdão, Meu Bem". Também remonta àquela época a amizade e a
parceria que Cartola estabeleceu com Noel Rosa. Com o "poeta de Vila
Isabel", compôs "Tenho Um Novo Amor", interpretada por Carmen
Miranda, "Não Faz, Amor" e "Qual Foi o Mal Que Eu Te Fiz",
interpretadas por Francisco Alves. Ainda naquele ano, Sílvio Caldas lançou
"Na Floresta" (de autoria de Cartola, do próprio Sílvio e ainda a
primeira composição em parceria com Carlos Cachaça).[4] Também em 1932, a
Mangueira foi campeã do desfile promovido pelo jornal "O Mundo
Esportivo" com o samba "Pudesse Meu Ideal" (sua primeira parceria
com Carlos Cachaça).[5][7]
Em 1933, Cartola viu pela primeira vez um samba seu se
tornar sucesso comercial: "Divina Dama", novamente na voz de
Francisco Alves. Arnaldo Amaral gravou "Fita Meus Olhos" (com B.
Vasquez), canção que encerrava o breve ciclo inicial de gravações de
composições suas. A partir dali, o sambista passou a compor exclusivamente para
a sua escola no morro, marginalizando-se do círculo artístico e de produção
discográfica da cidade.[4]
Em 1935, novamente a Mangueira teve premiado no desfile um
samba de Cartola, "Não Quero Mais" (feito com Carlos Cachaça e Zé da
Zilda), que foi gravado, em 1936, por Araci de Almeida e regravado, em 1973,
por Paulinho da Viola, com o título alterado para "Não Quero Mais Amar A
Ninguém".[5][7]
Em 1940, Cartola foi convidado pelo maestro e compositor
erudito Heitor Villa-Lobos, seu admirador, a formar um grupo de sambistas -
entre eles, Donga, Pixinguinha, João da Baiana - para fazer algumas gravações
de música popular brasileira para outro maestro mundialmente famoso, o
norte-americano Leopold Stokowski (que percorria a América Latina recolhendo
músicas nativas), realizadas a bordo do navio Uruguai (ancorado no pier da
Praça Mauá, no Rio de Janeiro).[5] Dos sambas que Cartola gravou a bordo do
navio, "Quem Me Vê Sorrindo" (composto com Carlos Cachaça) saiu em um
dos quatro discos de 78 rpm, lançados comercialmente apenas nos Estados Unidos
pela gravadora Columbia.[4] Além da sua primeira gravação, foi registrado nesse
álbum o coro da Mangueira com as vozes de Dona Neuma e de suas irmãs, a
clarineta de Luís Americano, emboladas de Jararaca e Ratinho, a flauta de
Pixinguinha, além das participações de Donga e João da Baiana e um arranjo de
Villa-Lobos para o tema indígena Canidé Joune.[7]
Popular, Cartola também atuou como cantor na rádio,
apresentando músicas suas e de outros compositores. Ainda em 1940 criou com
Paulo da Portela, o programa A Voz do Morro, na Rádio Cruzeiro do Sul, no qual
apresentavam sambas inéditos, cujos títulos deviam ser dados pelos ouvintes.
Assim, o programa premiava o ouvinte que tivesse sugerido o título escolhido
para o samba. Em 1941, formou, junto com Paulo da Portela e Heitor dos
Prazeres, o Conjunto Carioca, que durante um mês realizou apresentações em um
programa da Rádio Cosmos, da cidade de São Paulo.[5] Em 1942, "Não Posso
Viver Sem Ela" (parceria com Alcebíades Barcellos) foi lançada no famoso
disco "Ai Que Saudades da Amélia", de Ataulfo Alves.[4][7]
“ Gosto de
fazer samba de dor de cotovelo, falando de mulher, de amor, de Deus, porque é
isso que acho importante e acaba se tornando uma coisa importante ”
— Cartola, comentando sua obra, Almanaque da Folha
Tempos difíceis
Nos anos seguintes, Cartola participou pouco no cenário
musical. Entre suas poucas atuações artísticas, o sambista apareceu como
corista da gravação de alguns cantores na Colúmbia e chegou a se apresentar com
um grupo de morro no Cassino Atlântico.[4]
Com a nova direção da Estação Primeira de Mangueira
antipática a Cartola, o sambista viu seu samba ser desqualificado pelo júri que
julgou as músicas concorrentes ao enredo que representaria a escola de samba no
carnaval de 1947. Para piorar, ele contraiu meningite, ficando três dias em
estado de coma e um ano andando de muleta. Com vergonha da condição de doente,
acabou se mudando para Nilópolis. Foi cuidado por Deolinda, mas pouco depois
assistiu à morte da mulher, vitimada por um ataque cardíaco.[4] Com a morte de
Deolinda, deixou o Morro da Mangueira.
Por um período de cerca de sete anos, andou desaparecido dos
seus conhecidos. Fora do ambiente musical, muitos pensavam até que tivesse
morrido. Chegou-se a compor sambas em sua homenagem. Em 1948, a Mangueira
sagrou-se campeã do carnaval do Rio de Janeiro com seu samba-enredo "Vale
do São Francisco" (com Carlos Cachaça).[5]
Cartola vivia um período difícil em sua vida. Sem mais a
atenção de Deolinda e o prestígio no morro da Mangueira, o sambista morava em uma
favela no bairro do Caju, com uma mulher chamada Donária. Data dessa época a
composição "O sol nascerá"[4]
Cartola conseguiu trabalhos modestos, como o de lavador de
carros e vigia de edifícios. Mas a entrada em cena de uma nova - e definitiva -
mulher em sua vida alterou o seu destino. Quando Eusébia Silva do Nascimento,
mais conhecida como Zica, o encontrou, o sambista estava em um estado
lastimável, entregue à bebida, desdentado e sobrevivendo de biscates - sem
contar ainda um problema no nariz, que tinha se tornado demasiadamente grande,
devido a uma afecção denominada rinofima. Apesar disso, Zica, antiga admiradora
de Cartola, se apaixonou por ele, conquistando-o.[4] Zica o levou de volta ao
morro da Mangueira, onde o casal se instalou em uma casa na subida do morro,
perto da quadra da escola de samba e próximo da casa de Carlos Cachaça e Menina
(irmã de Zica). Com Zica, Cartola viveria até o fim de seus dias, sem, no
entanto, deixar filhos.[4]
Mesmo sumido, Cartola ainda foi lembrado em 1952, quando
Gilberto Alves gravou o samba-canção "Sim" (parceria com Oswaldo
Martins).[7]
Os bons tempos do Zicartola
Em 1957, Cartola trabalhava como vigia e lavador dos carros
dos moradores de um edifício em Ipanema. Nessa função, foi identificado em uma
madrugada pelo jornalista Sérgio Porto (ou Stanislaw Ponte Preta), sobrinho do
crítico musical Lúcio Rangel (que havia dado ao sambista, anos antes, o apelido
de "Divino Cartola"). Ao ver o compositor magro e maltrapilho em um
macacão molhado, Stanislau decidiu ajudá-lo, começando por divulgar a
redescoberta, que fizera, do sambista.[4] Àquela altura, Cartola era dado como
desaparecido ou mesmo morto por muitos de seus conhecidos e admiradores. O
reencontro com o jornalista foi definitivo para a retomada de sua carreira como
músico e compositor.
A promoção rendeu algumas apresentações na Rádio Mayrink
Veiga e em restaurantes, além de matérias em jornais e revistas. Sérgio também
arranjou para o sambista, por meio do cronista e pesquisador Jota Efegê, um
emprego de contínuo no jornal Diário Carioca em 1958[5] e, no ano seguinte, no
Ministério da Indústria e Comércio.[4] Em 1958, foram gravados seus sambas
"Grande Deus" e "Festa da Penha", respectivamente por
Jamelão e Ari Cordovil. Em 1960, Nuno Veloso gravou "Vale do São
Francisco" (parceria com Carlos Cachaça).
No início da década de 1960, Cartola se tornou zelador da
Associação das Escolas de Samba, localizada em um velho casarão no centro do
Rio de Janeiro, que se tornou um ponto de encontro de sambistas de toda a
cidade. Além das rodas de samba no local, Zica - uma exímia cozinheira - passou
a servir uma sopa aos participantes. Estimulado por amigos, Cartola e Zica
resolveram aplicar a fórmula música-comida em um sobrado da rua da Carioca,
também na zona central da cidade, em 1963.[4] A iniciativa contou com o apoio
financeiro de empreendedores considerados "mangueirenses de coração",
como o empresário Renato Augustini.
O Zicartola se tornou um marco na história da música popular
brasileira no início das década de 1960. Além da boa cozinha administrada por
Zica, Cartola fazia as vezes de mestre de cerimônias, propiciando o encontro
entre sambistas do morro e compositores e músicos de classe média,
especialmente ligados à Bossa Nova, além de poetas-letristas como Hermínio
Bello de Carvalho e jornalistas musicais como Sérgio Cabral. Velhos bambas,
como Nelson Cavaquinho e Zé Kéti, se juntavam a novos talentos, como Élton
Medeiros e Paulinho da Viola.[4] Além da presença constante de alguns dos
melhores representantes do samba de morro, diferentes gerações de cantoras se
encontravam ali, como Elizeth Cardoso e Nara Leão.
No Zicartola, desafiado pelo amigo Renato Agostini, Cartola
compôs com Elton Medeiros em cerca de 30 minutos o samba "O Sol
Nascerá", que se tornaria um de seus grandes clássicos. A mesma facilidade
para compor experimentaria em "Alvorada" um samba feito a seis mãos.
Compusera com Carlos Cachaça a primeira parte de um samba que decidiram mostrar
a Hermínio Bello de Carvalho, que escreveu então os versos da segunda parte,
que ele musicou na hora.[7]
Moda no Rio de Janeiro, o Zicartola inaugurou um gênero de
casa noturna que viria a se propagar nas décadas seguintes. Apesar disso, o bar
durou pouco e, mal-administrado, fechou as portas após dois anos de existência,
pois seu dono definitivamente não tinha tino comercial.[4] Em 1974, um bar
chamado Zicartola foi aberto no bairro paulistano de Vila Formosa.[3]
Ainda em 1964, Cartola e Zica se casaram oficialmente (às
vésperas do casamento, ele compôs "Nós Dois" para ela), e o sambista
atuou no filme "Ganga Zumba" (de Carlos Diegues), no papel de um
escravo (já havia atuado discretamente em "Orfeu Negro" e ainda
participaria de "Os Marginais").[4] O samba "O Sol Nascerá"
foi gravado por Isaura Garcia.[7]
Em 1965, foi lançado o álbum com gravações do Show Opinião,
no ano anterior, realizado entre Zé Keti, João do Vale e Nara Leão - esta
incluíu "O Sol Nascerá" (de Cartola e Elton Medeiros) no repertório
do LP.[3] Esta gravação tornou Cartola, assim como outros sambistas de seu
círculo, conhecidos pelo público de classe média da época, projetando-os
profissionalmente. Em consequência do prestígio que ganhou, Cartola chegou a
ter seu nariz retocado pelo célebre cirurgião plástico Ivo Pitanguy.[4] Pery Ribeiro
e Bossa Três também regravam "O Sol Nascerá".[7]
Ainda em 1965, Cartola iniciou a construção de uma casa
(verde e rosa) ao pé do morro da Mangueira, em terreno doado pelo então Estado
da Guanabara.[5] Naquele mesmo ano e no seguinte, fez participação em dois
discos de Elizeth Cardoso, que gravou o samba "Sim" (parceria com
Oswaldo Martins e Leny Andrade).[7] Ainda em 1966, gravou com Clementina de
Jesus seu samba "Fiz por você o que pude".[7]
Em 1968, participou em duas faixas do LP "Fala,
Mangueira", que reuniu, além dele, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça,
Clementina de Jesus e Odete Amaral. Também naquele ano, Cartola gravou com
Odete Amaral "Tempos Idos" (parceria com Carlos Cachaça) e Ciro
Monteiro gravou "Tive Sim".[4][7]
A glória na velhice
Em 1970, Cartola protagonizou uma série de apresentações promovidas
pela União Nacional dos Estudantes, intituladas "Cartola Convida", na
praia do Flamengo, onde recebia grandes nomes do samba. Também naquele ano, a
Abril Cultural lançou um volume dedicado à sua obra na série "História da
música popular brasileira", no qual o sambista interpretou
"Preconceito" (de sua autoria). Em 1972, Paulinho da Viola gravou
"Acontece" e Clara Nunes gravou "Alvorada" (com Carlos
Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho). Em 1973, Elza Soares gravou "Festa
da Vinda" (parceria com Nuno Veloso).[7]
Mas a consagração definitiva viria somente em 1974, alguns
meses antes de completar 66 anos, quando o sambista finalmente gravou seu
primeiro disco-solo. Cartola, lançado em uma iniciativa do pesquisador musical,
produtor de discos e publicitário Marcus Pereira. O disco, que recebeu vários
prêmios e foi considerado um dos melhores daquele ano,[1] reunia uma coleção de
obras-primas de Cartola e uma equipe de instrumentistas de primeira linha no
acompanhamento. O sambista interpretou "Acontece", "Tive
Sim", "Amor Proibido" e "Amor Proibido" (canções de
autoria própria), "Disfarça E Chora" e "Corra E Olhe O Céu"
(parceria com Dalmo Casteli), "Sim" (com Oswaldo Martins), "O Sol
Nascerá" (com Élton de Medeiros), "Alvorada" (com Carlos Cachaça
e Hermínio Bello de Carvalho), "Festa Da Vinda" (com Nuno Veloso),
"Quem Me Vê Sorrindo" (com Carlos Cachaça) e "Ordenes E
Farei" (com Aluizio).[4]
Também em 1974, a mesma gravadora Marcus Pereira lançou o LP
"História das escolas de samba: Mangueira", no qual Cartola
interpretou algumas faixas. Pouco depois, durante uma entrevista ao radialista
e produtor Luiz Carlos Saroldi, em um programa especial para a Rádio Jornal do
Brasil, apresentou dois sambas ainda inéditos: "As Rosas Não Falam" e
"O Mundo é um Moinho". Ainda naquele ano, o sambista participou do
programa radiofônico "MPB - 100 ao vivo" - os programas foram
editados em oito LPs com o mesmo título e em um dos álbuns ocupou todo um lado,
deferência só concedida a dois outros convidados, Luiz Gonzaga e Paulinho da
Viola - e se apresentou no bairro carioca de Botafogo, em que atuou ao lado da
cantora Rosana Tapajós e do flautista Altamiro Carrilho.[7] Gal Costa regravou
"Acontece".
Logo depois, em 1976, a mesma gravadora lançou o segundo LP,
também intitulado Cartola. O sucesso do álbum foi puxado por uma de suas mais
famosas criações, "As Rosas Não Falam", incluída na trilha sonora de
uma novela da Rede Globo. Ainda em seu segundo disco, Cartola interpretou suas
composições "Minha", "Sala de Recepção", "Aconteceu",
"Sei Chorar", "Cordas de Aço" e "Ensaboa". Gravou
também as canções "Preciso me encontrar" (de Candeia), "Senhora
tentação" (de Silas de Oliveira) e "Pranto de Poeta" (de Nelson
Cavaquinho e Guilherme de Brito. Também nesse ano, Clementina de Jesus gravou
"Garças Pardas" (parceria com Zé da Zilda).[7]
A grande popularidade obtida pelo samba levou Cartola a uma
divulgação inédita de seu trabalho. Realizou seu primeiro show individual, no
Teatro da Galeria, no bairro do Catete, acompanhado pelo Conjunto Galo Preto. O
show foi um sucesso de público e se estendeu por quatro meses em várias partes
do país.[5]
Em 1977, o sambista dividiu com um novo parceiro, Roberto
Nascimento, uma turnê por palcos do Sesc, no interior de São Paulo.[8] Em meio
ao grande sucesso, Cartola voltou a desfilar pela Mangueira, após 28 anos de
ausência no desfile de carnaval. O seu samba "Tive, Sim" foi
defendido por Ciro Monteiro na I Bienal do Samba, promovida pela TV Record, e
terminou classificado em quinto lugar no concurso.[4] Também foi convidado pela
Prefeitura de Curitiba para integrar o juri do desfile das escolas de samba
locais, onde, pela primeira e única vez julgou um desfile das escolas. Beth
Carvalho gravou com sucesso "O mundo é um moinho". Em junho de 1977,
a Rede Globo apresentou o programa "Brasil Especial" número 19,
dedicado exclusivamente a Cartola, e que obteve grande êxito. Em setembro
daquele mesmo ano, o sambista participou (acompanhado por João Nogueira) do
"Projeto Pixinguinha", no Rio de Janeiro, e depois em uma excursão
pelas principais cidades brasileiras. O sucesso do espetáculo os levou a
excursionar por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.[5][7]
Ainda em 1977, em outubro, a gravadora RCA lançou
"Verde que te quero rosa", seu terceiro disco-solo, com igual sucesso
de crítica. Um dos grandes destaques do álbum foi "Autonomia", com
arranjo do maestro Radamés Gnatalli.[4] Desse LP fazem parte o samba-canção
"Autonomia", além de "Nós Dois" (composta especialmente para
o casamento com Zica, em 1964). Recriou "Escurinha" (samba do
mangueirense Geraldo Pereira, falecido prematuramente em consequência de uma
briga com "Madame Satã"). Estão presentes ainda os sambas
"Desfigurado", "Grande Deus", "Que é feito de
você" e "Desta vez eu vou" (todos de sua autoria), "Fita
meus olhos" (com Osvaldo Vasques) e "A canção que chegou" (com
Nuno Veloso.[7]
Últimas homenagens
Em 1978, quase aos 70 anos, se transferiu da Mangueira para
uma casa em Jacarepaguá, buscando um pouco mais de tranqüilidade, na tentativa
de continuar compondo, mas sempre voltava para visitar os amigos no morro onde
crescera e se tornara famoso.[5] A residência de Cartola e Zica em Mangueira
era muito frequentada por músicos e jornalistas, o que levou o casal a procurar
um pouco de sossego. Era finalmente a primeira casa própria do artista, o
máximo que ele conseguiu com o sucesso obtido no final da vida. Em frente à sua
porta, foi inaugurada em seguida uma praça apropriadamente batizada de As Rosas
Não Falam.[4]
Naquele mesmo ano, estreou seu segundo show individual:
"Acontece", outro sucesso. E em novembro, por ocasião de seu
septuagésimo aniversário, recebeu uma grande homenagem na quadra da Mangueira.
O sambista, no entanto, já estava doente. Diagnosticado seu mal, câncer na tireóide,
foi operado em 1978.[4]
Ainda naquele ano o sambista gravou com Eliana Pittman o
samba "Meu amigo Cartola" (de Roberto Nascimento) e, com Odete Amaral
o samba "Tempos Idos" (parceria com Carlos Cachaça). Valdir Azevedo,
João Maria de Abreu, Joel Nascimento e Fagner regravaram "As rosas não
falam". Elizeth Cardoso regravou "Acontece" e Odete Amaral,
"Alvorada". Durante a apresentação no Ópera Cabaré, em São Paulo, no
mês de dezembro, o concerto foi gravado ao vivo, por iniciativa de J.C.
Botezelli (responsável pelo primeiro disco de Cartola). Esse registro ao vivo
só sairia em LP após a morte do compositor.[7]
Em 1979 foi lançado Cartola – 70 anos, seu quarto LP no qual
interpretou seus sambas "Feriado na roça", "Fim de
estrada", "Enquanto Deus consentir", "Dê-me graças,
senhora", "Evite meu amor", "Bem feito" e "Ao
amanhecer", além de "O inverno do meu tempo" e "A cor da
esperança" (parcerias com Roberto Nascimento), "Ciência e arte"
e "Silêncio de um cipreste" (com Carlos Cachaça), "Senões"
(com Nuno Veloso) e "Mesma estória" (com Élton Medeiros).
Ainda naquele ano Nelson Gonçalves e Emílio Santiago
regravaram "As rosas não falam". Em fins de 1979, Cartola participou
de um programa na Rádio Eldorado, da cidade de São Paulo, no qual contou um
pouco de sua vida e cantou músicas que andava fazendo. Essa entrevista foi
posteriormente lançada em LP, na década de 1980, com o nome "Cartola -
Documento Inédito".[7] Em 1980, a cantora Beth Carvalho regravou "As
rosas não falam" e "Consideração" (parceria com Heitor dos Prazeres.
Com Nelson Cavaquinho, compôs apenas "Devia ser condenada", gravada
pelo parceiro na década de 1980.
A carreira de Cartola não iria longe. Cartola sabia que sua
doença era grave mas manteve segredo sobre ela todo o tempo. Para todos dizia
que tinha uma úlcera.[1]
“ Quando
for enterrado, quero que Waldemiro toque o bumbo. ”
— Cartola, manifestando a sua família um desejo uma semana
antes de sua morte, Almanaque da Folha
Três dias antes de morrer, recebeu de Carlos Drummond de
Andrade sua última homenagem em vida.[4] O poeta lhe dedicou uma comovente
crônica, publicada pelo Jornal do Brasil.[9]
Cartola morreria de câncer em 30 de novembro de 1980, aos 72
anos de idade. O corpo foi velado na quadra da Estação Primeira de Mangueira,
onde por lá passaram as mais diversas presenças do mundo da música; Clara
Nunes, Alcione, Emilio Santiago, Chico Buarque, João Nogueira, Dona Ivone Lara,
Nelson Sargento, Jamelão, Roberto Ribeiro, Clementina de Jesus, Martinho da
Vila, Gal Costa, Simone, Elizeth Cardoso, Paulo Cesar Pinheiro, Beth Carvalho,
Paulinho da Viola, Gonzaguinha, entre muitos outros. Seu corpo foi sepultado no
Cemitério do Caju. Dona Zica viu o corpo do seu grande amor pela última vez,
abraçada com Clara Nunes, que era amiga e uma das "queridinhas" do
poeta. Atendendo a seu pedido, no dia 1º de dezembro, data de seu funeral,
Waldemiro, ritmista da Mangueira, que havia aprendido com ele a encourar seu
instrumento, marcou o ritmo para o coro de "As Rosas Não Falam",
cantada por uma pequena multidão de sambistas, amigos, políticos e
intelectuais, presentes em sua despedida. Em seu caixão a bandeira do time do
seu coração, o Fluminense.[1]
Após a morte
Durante os anos seguintes, viriam homenagens póstumas,
discos e biografias que o confirmariam como um dos maiores nomes da música
popular brasileira.[3] Em 1981, Artur Oliveira concluiria o samba
"Vem", que Cartola deixara inacabado, e seu livro escrito juntamente
com Marília Trindade Barboza, a biografia "Cartola, Os Tempos Idos"
seria lançado pela Funarte, em 1983. Ainda em 1982, foi lançado um disco
póstumo do sambista, "Ao Vivo" – gravação de um espetáculo realizado
no final de 1978, em São Paulo. Em 1984, também pela Funarte, sairia o LP
"Cartola, Entre Amigos".
Em 1988, para comemorar o octagésimo aniversário de seu
nascimento, a gravadora Som Livre lançou o songbook "Cartola – Bate Outra
Vez...", que trazia Caetano Veloso, Gal Costa, Paulinho da Viola, Zeca
Pagodinho, Luiz Melodia, Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Nelson Gonçalves,
Paulo Ricardo e Cazuza. E a cantora Leny Andrade apareceu com "Cartola –
80 Anos". Marisa Monte viria a incluir em seu repertório o lundu
"Ensaboa", composto em 1975 e gravado pelo compositor em seu segundo
LP.[4][7]
A cantora Claudia Telles (filha de Sylvia Telles, um dos
ícones da Bossa Nova) lançaria em 1995 um álbum-tributo composições de Cartola
e Nelson Cavaquinho. Em 1998, Elton Medeiros e Nelson Sargento gravaram o álbum
"Só Cartola". Medeiros também se apresentou com a cantora Márciano
espetáculo "Cartola 90 anos", que resultaria em um álbum lançado pelo
SESC de São Paulo. Naquele mesmo ano, o grupo Arranco (ex-Arranco de Varsóvia)
lançou o álbum "Samba de Cartola".[7]
Em 2001, a RCA relançou em CD o disco "Verde que te
quero rosa". Naquele mesmo ano, foi fundado o Centro Cultural Cartola
tendo por base a obra do compositor. Em 2002, o cantor Ney Matogrosso lançou o
álbum "Cartola", com repertório todo dedicado ao compositor da
Mangueira. Em 2003, a neta de Cartola descobriu uma pasta vários letras
inéditas que teriam de ser musicadas. Ainda naquele ano, Beth Carvalho lançou o
álbum "Beth Carvalho canta Cartola". Em 2004, o espetáculo
"Obrigado Cartola", de Sandra Louzada, com direção de Vicente
Maiolino, estreou no Centro Cultural Banco do Brasil. O musical contava a vida
do compositor e apresentava sambas clássicos. Naquele mesmo ano, foi lançado
pela Editora Moderna o livro "Cartola", de Monica Ramalho.[7]
Em 2007, foi lançado o filme "Cartola - Música para os
Olhos", com direção de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.
Em 2008, esquecido no ano de seu centenário pela Estação
Primeira de Mangueira que ajudou a fundar, foi, no entanto homenageado pela
Paraíso do Tuiuti com o enredo "Cartola, teu cenário é uma beleza"
que ajudou a escola de São Cristóvão a subir para o grupo de Acesso A. Dentro
das comemorações pelo seu centenário, foi lançado pelo selo Biscoito Fino
"Viva Cartola - 100 anos", que incluiu gravações lançadas em outros
discos e que continha uma única faixa inédita, "Basta de Clamares
Inocência" - gravada por Martinália. "Pranto de Poeta" – BMG
Informações triradas do : http://pt.wikipedia.org/wiki/Cartola_%28compositor%29
Olá,
ResponderExcluirAchei esse blog enquanto procurava conteúdos sobre o Cartola. Interessante a postagem!
Abraços,
Lu Oliveira
www.luoliveiraoficial.com.br